sexta-feira, 26 de junho de 2009

"VOCÊ TEM FOME DE QUE?"

fotografia: Aline Martins
http://www.flickr.com/photos/alineferreira/
-todos os direitos reservados-

Sou psicóloga e Gestalt Terapêuta.


Em alguns anos de atendimentos, recebi muitas pessoas no consultório, com transtornos alimentares.

Resolvi postar aqui o depoimento de uma menina, que sofreu anos de Bulimia (transtorno alimentar).

Espero que sirva de alerta para algumas pessoas...


"Bom, primeiro a minha tia (que trabalha no HC de Ribeirão Preto) percebeu de cara, pois vê muitos casos no Hospital. Ela alertou minha mãe que já estava preocupada, mas como na época não se falava muito disso, foi procurar livros sobre isso. Nunca disse: coma filha, vc precisa. Ela simplesmente começou a contar casos do Hospital que minha tia havia falado. Não dei bola, achei que estava exagerando. Peguei uma foto da Fernanda Tavares que é modelo e disse: quando eu ficar assim eu paro. Aí ela disse: ela é horrível de corpo filha, vc está louca? Mas eu disse: mãe, eu não quero beleza, eu quero leveza para
o Ballet, estou machucando meus pés com esse peso todo (eu estava com 54 KG). Ficou um mês tentando colocar suplemento vitamínico no meu leite, que eu bebia de manhã, estimulador de apetite e fazia coisas que eu amava comer para eu passar vontade. Dizia assim: não precisa comer, mas tá uma delícia viu... Ela não disse mais nada, fomos comprar uma calça jeans pois fazia tempo que não comprava roupas. Estava usando dois números à menos, não servia pra mim mais o 38. De lá passamos numa farmácia, pesava 46 Kg, minha mãe disse: vc se viu no espelho hoje? Me colocou no espelho do trocador da loja e puxou minha pele do lado eu disse que era gordura e ela disse, vamos almoçar agora.
Chegando no restaurante, ela pediu um prato super balanceado e eu disse que não adiantava ela tentar me engordar. Ela disse: enquanto vc não comer, não vamos embora.O shopping fechou, estávamos lá com a comida fria.O guarda disse que tínhamos que ir embora, comecei a chorar de vergonha, dei duas garfadas e fomos pra casa.
No outro dia desmaiei na escola por ter menstruado, chamaram minha mãe, ela disse que eu não estava comendo. Era época de vestibular, ela me tirou do Ballet e disse que se eu não agüentava menstruar, quanto mais dançar.
Aquilo foi o fim pra mim, não deixou nem eu prestar vestibular, ela disse que o cérebro não funciona quando é desnutrido. O médico confirmou isso na minha frente no mesmo dia.
No mesmo dia minha tia me levou no HC, vi três meninas em fase grave, uma era terminal, todas anoréxicas. Me senti idiota, elas estavam horríveis, parecendo desidratadas e monstruosas. O quarto fedia, o hálito delas era repugnante e uma delas tirou o soro, pois disse que aquilo podia ter açúcar. Queria morrer, eu tinha feito o mesmo na escola dentro da ambulância, quando deram glicose pra mim na veia.Chorei na volta.Não queria aquilo pra mim.
Eu sentia que todos estavam em complô contra mim sabe. Parecia que quando alguém me oferecia algo, na verdade estava querendo meu mal, queria me engordar. A família do me pai é numerosa e todos estão gordos e/ou obesos. Sempre foi assim. Eu sempre fui a mais magra e me orgulhava disso, pois em casa minha mãe sempre cozinhou bem e seus pratos eram muito nutritivos e deliciosos. Doces e refrigerantes só nos domingos e festas.
Quanto mais tentavam me ajudar, mais eu me sentia desafiada a continuar e enganar todos. O médico já sabia disso, a nutricionista soube depois e então minha mãe me colocou num grupo de transtornos alimentares. Foi pior, parecia que não tínhamos o mesmo problema, parecia que só elas eram doentes. E algumas eu dava apoio, pois sabia que elas me entendiam. Mas depois que vi as meninas em fase terminal no HC, vi que todas do grupo poderiam tb acabar como aquelas meninas, inclusive eu.
Parei de menstruar, achava que estava grávida e o médico disse que não tinha como alguém engravidar desnutrida daquele jeito. Fiquei chocada. E disse que se um dia eu quisesse ter filho era melhor voltar a comer rapidinho. Não queria pensar no futuro então não me afetou. Só queria rapidez no emagrecimento.
Um dia voltava da escola e vi o Resgate do Corpo de Bombeiros. Estava muito frio. Fui ver o que era, era uma criança morta. Perguntei se era por causa do frio e o bombeiro disse: não, é de fome mesmo, está seca e os dentes caíram.
Voltei pra casa a pé, chorei muito, meus dentes tb estavam amolecendo. Pensei: estou me matando? Cheguei em casa, contei tudo pra minha mãe, ela tb chorou, disse que eu só estava andando porque ela enfiava suplementos líquidos no pouco que sabia que eu comia.
Fui visitar as meninas no hospital de novo, contei a elas o que vi e vi que a Anorexia é uma doença às vezes sem volta, pois uma delas ainda disse: prefiro morrer, mas morrer magra (e riu).
Fiquei revoltada. Uma semana depois chegou meu aniversário, acordei diferente aquele dia. Disse que ia nascer de novo. Minha mãe fez festa surpresa pra mim. Tinha amigos de fora, de cidades que morei antes (mudei 11 vezes de cidade) e muitos se assustaram com minha aparência. Uma amiga disse que sentia minha falta no Ballet, fiquei feliz e disse que no próximo ano voltaria.
Minha mãe chorou quando me viu experimentando um pedaço do bolo que fez pra mim. Eu adorei comer aquilo, pois dessa vez, não senti culpa por comê-lo e não andei 7km na esteira para compensar e nem fiz 100 abdominais em jejum ao lado da cama. Depois que desmaiei na escola não fiz mais exercícios.
Fui pra faculdade com os 54 kg normais, tenho 1,71m.
Lá até engordei, pois meu metabolismo estava muuuito lento. Não deixei de dançar mais, comia bem e mesmo que alguns professores diziam que havia engordado, não ligava, dizia: sinto muito, tenho trauma de dieta.
Mas depois de um tempo comecei a engordar pra valer e cheguei aos 70kg, comecei a tomar laxantes e fiquei depressiva, não conseguia mais parar de comer e até hoje quando tenho estresse ou tristeza, me controlo para não fazer isso. Não faço dietas de medo de voltar à anorexia então tomei muitos laxantes. E depois tomava muito yakult para não detonar a flora intestinal. Mas um professor da academia disse que isso retem líquido e piora as coisas. Então faz dois meses que não tomo mais. Diminuí as calorias e agora estou bem. Não me preocupo com o espelho, só com o peso nas pontas dos pés.
Enquanto eu dançar minha balança será essa. Não sei quanto eu peso, mas estou feliz assim. Não quero medir minha cintura, essas coisas que toda mulher olha nas revistas de beleza.
Sei que mereço ser bonita e feliz e não quero me preocupar mais com isso. Vou voltar a comer como eu comia quando era pequena, com cuidado e equilíbrio. Minha mãe está me explicando como sempre fazia e está funcionando.
Espero que ninguém entre nessa, pois duas das três que visitei faleceram e uma está internada há 6 meses e o que mais assustou foi saber que por dois Kg a menos estaria na mesma situação de uma das que morreram. Hoje eu sou formada em Letras, dou aulas de Francês e Ballet, estou indo para França no fim do mês..."

2 comentários:

  1. Minha prima morreu ontem com essa doença maldita que a matou! Isso tudo é real, não tem exageros!
    Isso mata!
    Estou muito triste, não paro de chorar.
    Minha família está péssima... não consigo acreditar no que aconteceu!
    Quem precisar de ajuda, podem entrar em contato comigo: afflavia@gmail.com ou 11-7170-1715

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  2. oi Ana Flavia,
    Sinto muito!
    Acredito que muitos não sabem quão grave é essa doença.
    Por isso, pretendo postar algumas informações por aqui. Espero poder ajudar de alguma forma.

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